Processo Coreográfico desenvolvido em Essen na Alemanha pelo jovem bailarino e coreografo Douglas Jung, contando com a participacao dos bailarinos Pamela Fernandez(Argentina) e Ricardo Gregianin(Brasil).


20 de jan. de 2009

a CARNE presente

Para entender e melhor organizar as idéias deste estudo, julgo necessário que se visite alguns conceitos que vao permear o fazer artístico dessa proposta. Para este início, creio que o conceito de maior relevancia seja o conceito de presenca, já que só estando presentes em tempo e espaco como organismo vivo, pensante e que interage com um meio, é que podemos perceber e usufruir do que nos possibilita este estado de vida, incluido dentro dessa gama possibilidades a percepcao da memoria e por consequencia da saudade, que serao os dois próximos temas abordados nesse estudo.

Trago como referencial teórico de pesquisa a dissertacao de Mestrado em Artes Visuais – Poéticas Visuais de Luciana Paludo, desenvolvida dentro do Programa de Pós-Graduacao e Mestrado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Instituto de Artes de Porto Alegre - RS Brasil; entitulada “Corpo, fenômeno e manifestação: perfomance” . Em sua pesquisa, entre outras coisas, Luciana aborda justamente a presenca como um dos pressupostos para a performance e, na minha opiniao, já que este estudo tem como objetivo final a instauracao de uma obra poetica de danca, nada melhor do que visitar o conceito de presenca sob a otica de alguém que o pesquisou anteriormente para abordar o corpo como fenomeno e manisfestacao na arte da performance. Vejamos o que nos diz Luciana no capítulo 2 de sua dissertacao:


2 - ESBOÇO DE UMA REFLEXÃO ONTOLÓGICA – O Ser da Performance
A performance, para que exista, carece da presença de um corpo humano vivo, que esteja interagindo com o ambiente. A performance exige um ser-no-tempo, situado num determinado espaço; temos a questão da presença como pressuposto indispensável para sua realização. Pensemos a presença no sentido espacial, como algo que está presente à sensibilidade humana; no sentido temporal, como aquilo que está sendo, em oposição ao que passou ou ao que ainda será (no ser que realiza e nos que estão no ambiente, a assistir ao ato). No sentido ontológico, como o que se dá em si ou no outro; de certa forma, o ser atual, com seus aspectos de virtualidade e de potência. Temos a presença como uma problemática da própria ontologia da performance; para que se constitua o ser da performance é necessária a presença. O ser da performance é o todo que emerge de um trabalho, de uma apresentação performática, e não, isoladamente, o corpo do performer.

Performance: corpo, presença, ser-limite. A presença guarda a problemática do limite, uma vez que lhe é pressuposto um ser-no-mundo. Em relação à condição do ser humano, como ser limitado por sua própria natureza, o selo da finitude está, de antemão, em todos os seus projetos e realizações. O homem é o ser que fala mesmo quando não fala e cala, recolhendo-se no silêncio do sentido, assim como é o ser que morre, mesmo quando não morre e vive, recolhendo-se à temporalidade da existência.1
O limite reporta ao fator tempo. O tempo se torna uma problemática a ser pensada durante toda existência – mesmo se esse pensar não seja algo formulado pela linguagem, conscientemente. Quando a ele, ao tempo, nos voltamos em atenção e pensamento (como se fosse um ente, um ser), colocamos nosso organismo a romper obstáculos, então criamos coisas – tentativas singelas de perpetuar o tempo, nem que seja efêmero, no caso de uma performance. O tempo nem sempre corre. Podemos encontrar ou cavar lugares onde ele congela.2 Criar alguma coisa significa colocar o tempo, num instante, em suspensão; como se pudéssemos nos precaver do inevitável, que é a finitude de nossa carne. Certo é que subjetivamos o tempo e, assim, podemos criar temporalidades distintas; cada processo criativo guarda uma temporalidade, cada trabalho de arte contém, em virtualidade, tempo empregado; cada obra feita comporta um passado.

A reflexão dessas questões me tornou ciente de minha condição enquanto performer; enquanto corpo atuante em tempo e espaço real. Fez perceber que, no tempo real que estava performando, automaticamente, enfrentava essas duas problemáticas, ou seja, a de estar presente com o meu corpo – com o compromisso de instaurar uma performance - e de esse corpo estar desafiando, a cada instante, os limites impostos, peculiares à sua própria condição... humana: a todo instante minha finitude está presente – e esse é o pressuposto básico do processo de existir.

Nessas duas questões (presença e limite) instaura-se uma dialética: presença como tese, limite enquanto antítese e o corpo como a própria síntese. Enquanto se posta como meio e suporte da idéia, no momento em que se predispõe a estar ali, em presença, a cada instante – em seus limites – o corpo dará os contornos do que será considerado um trabalho, uma obra de arte – no caso da performance.(…)

Seguindo essa linha de raciocinio, podemos concluir que na vida, assim como na performace o existir em tempo e espaco, estar presente e interagir com esse meio nos obriga a enfrentar a problemática da finitude a todo instante. E essa finitude, seja ela abordada pela característica efemera do ato performático ou ainda pela efemeridade de qualquer momento na vida do ser-no contexto da performance ou nao; nos faz entender que a problemática entre presenca e limite esta contida em absolutamente tudo o que fazemos e que vivemos. Nossa presenca neste organismo vivo ao qual chamamos mundo e que é permeado pelos conceitos de tempo e espaco para que se configure enquanto realidade, está sendo desafiada a todo instante pelo porvir que se pronuncia a cada segundo e que coloca no passado uma situacao que acaba de acontecer e da qual teremos a memória como referencia seja daqui a 5 minutos, meia hora, 2 dias, 2 meses, 2 anos…

Mesmo se me absorvo na experiência de meu corpo e na solidão das sensações, não chego a suprimir toda a referência de minha vida a um mundo, a cada instante alguma intenção brota novamente de mim, mesmo que seja em direção aos objetos que me circundam e caem sob meus olhos, ou em direção aos instantes que sobrevêm e impelem para o passado aquilo que acabo de viver.3

Visto o conceito de presenca sob a abordagem de uma artista referente, o próximo passo é ver os conceitos e relacionar a Memória, mecanismo que torna possível o reprocessamento de referencias armazenadas em decorrencia da presenca do ser em tempo e espaco com o sentimento de Saudade, que desperta no ser a necessidade de fazer uso da memória para se conectar a essas referencias anteriores que lhe fazem falta no momento atual.


1 Emmanuel Carneiro Leão – na introdução de Ser e Tempo – parte I, de Martin Heidegger. São Paulo: Vozes, 2005. p. 16 – 15ª ed.
2 SERRES, Michel. Os cinco sentidos – filosofia dos corpos misturados. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; p. 181.
3 MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999; p. 228.

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